4.6.05

Círculos

Pra que os olhos, senão pra poder chorar?
Pra que a vista, senão pra poder ir
em frágeis passos, em trancos, barrancos, abismos, sismos abalados?

Pra que ver tanto, se tão pouco se vê?
Pra que ter olhos que irão desfalecer à noite, pra esquecer do dia?

Por que, da caça, a caça é a nitidez?
Por que, no campo, os tiros vêm de uma vez
Cegar os nossos cegos olhos?

Pra quê, então, adiar o fim
se não será menor a dor!?
Dor!

Pra que os olhos sem a mente sã?
Pra ver, no infinito, o incerto amanhã!
Pra que os olhos que nada vêem?
Vem ver que vem vindo a noite!

Pra que os olhos, senão pra poder chorar?
Pra que a vista, senão pra poder ir
em curtos saltos, tropeços, percalços, abismos, carmas, círculos.
---

Eis uma musiquinha nova, inspirada num livro. Ensaio Sobre a Cegueira do José Saramago.
.: Beijos