30.9.06

.: Lullaby :.

'Lullaby' é uma música nova que fiz. Não sei explicá-la objetivamente. O textinho em prosa que segue é uma tentativa de elucidar o significado da letra da música. Em vez de uma explicação clara, só algo tão abstrato quanto a própria poesia pode explicá-la:

Uma voz que só aos ouvidos mais atentos ecoa. Uma voz que emana de um precipício, de um abismo cujo fim é tão distante, que parece sequer existir. Uma voz sem chão, que, aos berros, apenas quer descansar. Essa voz precisa dormir. O mundo segue girando, mas ela não dorme. Tudo segue mudando, ela não dorme. Para dormir, a voz precisa cumprir sua missão. Não pode desfalecer, enquanto ninguém se dispuser a ouvi-la.

De algum lugar alguém gritou
"Oh, não!"
Por quantas vezes vai soar
"Oh, não!"?

Quantas vezes mais
vou absorver
a voz do além
que quer gritar mais alto
e não consegue se fazer notar?

De longe, alguém pediu perdão
Do céu, ninguém ouviu
E então, se escuta uma canção
Lullaby

Todos vão dormir
Pra absorver
a voz do além
que quer gritar mais alto
e não consegue se fazer
notar

Mientras todo va cambiando
nadie más despierta sano
todo el mundo así se entera
de fragmentos sueltos, trozos

21.9.06

.: Descontexto :.

Esse texto é dedicado à Rodoviária do Plano Piloto de Brasília.

Era um lugar perfeito para os meus planos. Não que soasse como um paraíso, em que todos os sonhos é possível realizar, tampouco tivesse um cheiro bom, um asseio ideal, uma combinação de cores agradável para os olhos. Fedia a xixi, tocava música que, para mim, soava como uma furadeira às 11 da noite. As pessoas e os ônibus iam e viam num corre-corre incessante, somavam um barulho desagradável, um zunido alto e quase constante, daqueles de doer os ouvidos. Para escutar a própria voz, era preciso alterar o tom das cordas vocais e competir com os auto-falantes.

A perfeição da rodoviária estava em seu ar descompromissado, em conflito com os compromissos que passavam por todos os lados: nos carros indo e vindo pelos arredores, nas cabeças dos pedestres-passageiros, passageiros-pedestres. Estava no cheiro de xixi em perfeito equilíbrio com a oleosidade dos pastéis, nas escadas rolantes que ora subiam, ora desciam, ora paravam de funcionar. A perfeição estava na vida louca, em contraste com rostos pacatos e atentos, descendo e subindo e descendo e subindo e andando em linhas retas e tortas.

Nenhum outro lugar podia ser melhor. Pessoas das mais distantes localidades do dê-efe e do entorno passavam por ali, encontravam-se sem se notar, umas sem olhar bem para as outras, algumas olhando-se loucamente. Uns paravam para apanhar no chão objetos que, porventura, houvessem deixado cair. Outros seguravam seus pertences com força, para evitar ter que parar. Alguns iam, calmamente, cambaleando, quase dormindo, arrependidos por ter acordado. Outros, entristecidos, lamentavam-se por não ter podido dormir. Quanto mais a observava, mais me parecia a rodoviária o lugar ideal, porque para um lugar como aquele, nem havia regras para seguir, nem contexto em que se encaixar.

A Rodoviária do Plano Piloto era, afinal, uma coisa estranha, que causava em mim um vazio gigante, uma espécie de náusea, sucessivas ânsias de vômito, que não passavam de ânsia. Era como se ali todos estivessem descontextualizados, até mesmo os que faziam do espaço um lar. Eu estava descontextualizado, o que me dava enorme prazer.

Aquilo era sensacional! Naquilo consistia a perfeição. Minhas náuseas causavam uma confusão de sentidos: sentia o cheiro de xixi como se fosse gosto, ouvia o barulho quente do café, como se fosse som. As capas das revistas e dos jornais tocavam-me os olhos, e a poluição visual me acariciava. Sentia-me como se flutuasse e tinha, a todo tempo, vontade de correr. Mas as minhas pernas não obedeciam à cabeça, pareciam dançar sozinhas. E eu ia flutuando, flutuando, flutuando. Até que caí.

(...)

Acordei no dia seguinte, com as marcas do cinturão em meu corpo. Com esforço, lembrei do rosto furioso do meu pai, que me havia espancado incansavelmente. Nem lembrava o que havia feito de errado, nem conseguia entender muito bem onde estava, porque estava ali. Havia morrido? E a Rodoviária? Esforcei-me pouco mais. A cabeça doeu... Com muito esforço, aos poucos, lembrei, e então pude entender: a cola, sim -- não a rodoviária --, fazia-me flutuar.

13.9.06

.: Fazer notar meu som :.

Eis uma expressão de indignação, originada de um drama - descabido, confesso - da cômica vida privada. Uma comédia, claro, mas com tom de uma trágica indignação de quem não gosta de esperar... Taí, uma música que fiz hoje.

.: Fazer notar meu som :.

Ai, viu...
Não faz isso, não,
Dói esse pobre coração
Que não agüenta esperar

Dar nenhum sinal sequer
É ser comigo mal

E, assim, sem pedir, tu vais notar: sou de fazer um auê
Só pra que tu vejas que...
"Ei, estou aqui
e vim
pra te fazer notar meu som!"

Melhor
É te desculpares
P'ra não veres sol-se-por
Ao nosso tempo fechar

Não dei qualquer permissão sã
P'ra tu sumires assim
Sem me dar satisfação

Ah, não, meu bem
Vai te custar!