20.11.06

P'ra que caias,
cai cá

Vai e volta
Vai e vem
P'ro nosso fim de semana fictício
P'ra nossa história vagarosa, preguiçosa
Vai e volta
Sem hesitações

Não desaparece tanto tempo
Que eu me sinto livre pra cobrar
"Amor, vem cá,
não me deixe solto" --->

Vê meu rosto mais de perto
Vai, mas volta
Tranca a porta pra ninguém entrar
E deixa o nosso amor fluir
Eu juro, vou deixar
Que te percas, caias... Cai cá sobre mim
<--

Não te importa.
Tudo bem.
Os meus meneios vão janela a fora,
ao passo largo que teu passo explora
Meus segredos e tabus

Decifra-me,
que eu te desvendo e te descubro,
Eu cubro tua pele.
Meu suor vai te reduzir à quinta parte.
Parte e volta e me reparte em mil
E me refaz
Que eu fico inteiro
seu

[[Vou te contar uma história p'ra que durmas bem,
te fazer uns folguedos entre os dedos teus
Que me detêm...]]

9.11.06

Cierres y reinicios de Jerónimo*

Chamo-me Jerónimo. No amor, sempre tive um azar daqueles. Desde jovem, nada dava certo. Lembro ter demorado bastante para dar o primeiro beijo: só foi aos 18, com Claudia, em frente ao Obelisco. Chegou a dar namoro, mas dez dias depois, ela veio me dizer que a “química tinha acabado”. Senti-me reduzido a dimensões atômicas. Mais tarde, descobri o problema – ela andou fuxicando com outras garotas que o meu beijo era ruim. E o cochicho chegou a mim.

Para melhorar, fiz o teste do copo com gelo. Aprendi a beijar. Tão bem, que as outras mulheres que tive me chamavam de Bocaloca. Aos 19, conheci Rita, uma brasileira filha de portugueses. Ela não resistia: todas as vezes, ao fim do ósculo, ela respirava fundo:

– Ai, Jerónimo, como é bom! – dizia, ofegante.

Certa feita, eu sentia já haver superado Claudia, cem por cento. Poderia então dizer que amava Rita e falar tu és o meu primeiro amor, ó querida. Ela – hoje sei – poderia ter-me dito o mesmo. Todavia, ninguém disse nada. Até o dia em que, por decisão dos pais, Rita teve de se mudar para Portugal. E jamais voltou. Tentamos um namoro à distância, mas não durou um mês sequer. Telefone, naqueles tempos, custava caro demais. Webcam e skype nem pensavam em existir. E o principal, devo confessar, é que namoro sem beijo não dá. Não para Bocaloca.

Esse amor durou mais tempo para virar água passada. Em copos cheios d’água, tentei a mágoa afogar, mas ela virou peixe e criou guelras. Em canecões com maracujina, tentava fazê-la dormir. Com efeito, eu adormecia só, mas a mágoa, sempre acordada, perseguia-me nos sonhos. Para espantá-la, tentei ficar acordado com xícaras de café. Também não surtiu efeito. Dessa vez, a mágoa resolveu dormir. Eu, no entanto, estava lá, sempre desperto, a observá-la.

Sentimento dos infernos, pensava, vai-te embora. Dirigi-me a um bar qualquer, ia afogar a danada em copos de cachaça brasileira. Dessa vez, ela não poderia resistir. Decerto que não. Chegando lá, no entanto, nem foi preciso pedir o primeiro copo. Conheci Esmeralda. E num piscar de olhos, a mágoa morreu. Rita virou água passada. Passou como o vento. E que esteja bem, a observar as gaivotas de Lisboa, a lembrar-se de mim. Ó, meu amor, dirá.

Esmeralda, vi desde o começo, era muito espevitada. Mal notei que a amava, descobri que era puta. Como fui tolo! Aquele bar de bar não tinha nada. Era um cabaré. Foi na mesma noite, quando a conheci – durante a primeira vez, o primeiro gozo –, que percebi, ó, Esmeralda, como te amo. Segundos depois, cobrou-me o dinheiro. Duzentos pesos.

¡Hija de puta!

Em vez de grana, paguei-lhe uns sopapos na cara, deixei-lhe os olhos arroxeados e fui-me embora. A essa altura, eu já tinha vinte anos. Quase vinte e um.

Não passou tanto tempo, até que conheci Linda. Uma santa. Daquelas prontas para casar. Pro meu gosto, santa demais. Pegar nas mãos podia. Beijar selinho também. Beijos de língua, só nos momentos mais sensuais. Daí pra frente, nada. Só com casamento. Eu que não me caso, vai que não encaixa...


Com Linda, passei dois anos. Tempo recorde. Dois anos de jejum. Santo Deus! E foi exatamente no dia seguinte ao nosso segundo aniversário de namoro que ela encontrou um outro homem, santo que nem ela: do pau oco. Flagrei os dois na minha cama – ele fazia com Linda tudo aquilo que eu, durante 731** dias, havia sonhado poder fazer uma vezinha que fosse.

¡Desgraciados!

Saímos roxos ele, ela e eu. Tinha vinte e três, quase vinte e quatro anos. Os dois escaparam vivos, e pensei em suicídio pela primeira vez. Melhor não. Não vale a pena deixar de viver por quem não merece a vida que tem. Segui adiante, sem querer saber de mais ninguém. Por muito tempo, não quis. Até que, aos trinta, conheci...

Jorge – um lindo rapaz de origem nobre e olhos azuis, cuja família ganhava fortunas fabricando e vendendo vinhos. Ele vinha de Mendoza. Morava em Buenos Aires havia apenas sete meses. Ao seu lado, aprendi porque tanto havia sofrido com as mulheres: são umas feitas para as outras. Ninguém as compreende senão elas mesmas. Se forem boas amantes, melhores serão como amigas. Se não forem boas amigas, de que me servirão?

Descobri a pós-modernidade. Desvendei os meus melhores mistérios. O amor, ensinou-me Jorge, pode ter mil faces – quantas a gente quiser. Findaram, então, as minhas intermitências. Passei a ser feliz. Aprendi que amando é possível ir longe, atravessar fronteiras, ir além do que se imagina ser capaz.

Com ele, mudei-me para Amsterdã. Casamos-nos, com comunhão de bens e tudo. E viajamos por todo o mundo. Juntos, moramos em Oslo, Paris, Lisboa. Por lá, dei de cara com Rita. Apresentei-lhe Jorge. Deram-se muito bem os dois. Bruxelas, Barcelona, Brighton, Roma. Em todos os lugares, Jorge e eu: aos beijos seguros, amor seguro, sexo seguro. No Vaticano, às escondidas, fomos abençoados por Deus.

Na África, estivemos em Joanesburgo, Abuja, Bissau. E seguimos, com o aval dos deuses negros... Aceitos por Alá, viajamos a Beirute, Jerusalém. Atravessamos o Índico, chegamos a Canberra, Wellington, Tóquio, Jacarta.

À luz da liberdade, navegamos o Pacífico. San Francisco, Otawa, Guadalajara. E voltamos, enfim, à América do Sul. Fomos a Caracas, Bogotá, Quito... Mendoza, Buenos Aires – lar-doce-lar. Por Iguaçu, chegamos ao Brasil. De tantas viagens e beijos, paramos em Salvador. Até hoje, por aqui estamos.

O nosso apartamento fica em frente à praia de Amaralina. Jorge adora ouvir aquela música que diz assim, na praia de Amaralina, vi dois camarões sentados, falando da vida alheia, êta camarões malvados...

Hoje, tenho quarenta e quatro anos. Jorge, trinta e sete. Fiz-me alfaiate. Jorge dá aulas particulares de espanhol. Já não temos tanto dinheiro quanto costumávamos ter. Como sempre, estamos ele e eu a sós. De acordo. Consonantes. Quatro olhos: dois pretos como jaboticabas; dois azuis como o mar de Itapuã. Olhares vermelhos, chorosos.

Eu acho. Ele também acha. Já é hora de acabar. Jerónimo e Jorge, Jorge e Jerónimo – nossos quatro olhos vermelhos miram o papel que precisamos assinar. É o dia do divórcio. As intermitências estão de volta. Hoje, mais um fim. Amanhã, o recomeço.

---


* Em português, finais e reinícios de Jerónimo, trabalho final da disciplina Oficina Avançada de Narrativas.

** 365 + 366 - Um dos dois anos era bissexto.