30.4.05

A hora do fim

.: Há, para tudo, um fim. Há, para tudo, a angústia, o sofrimento, a agonia da intermitência. Não, nada é para sempre. Nem mesmo aquilo que, quando de coração aberto, sentimos querer levar por toda a vida. Ninguém é para sempre o mesmo. Todo dia, o vir-a-ser vem-a-ser presente no já estabelecido. E nada é continuamente. Tudo vem a ser, um dia. :.
Isto não é nada de novo, nenhuma descoberta fantástica, sabe-se. É apenas uma constatação enfática advinda de alguma experiência de vida. É apenas um clichê que nenhuma inovação virá a definir tão bem. É apenas o 'dar-se-conta' de quem sofre uma grande perda e se acostuma com a idéia de novos ganhos. Nada de novo.

13.4.05

A longa história de Joaninha, filha de Maria, que, um dia, não tinha o que fazer.

Parte I – Do tédio à condução.

Essa história, meus senhores
Que aqui lhes vou contar
Já causou bastantes dores
Pra chegar onde hoje está

Joaninha, certo dia,
‘Tava em casa, entediada
E chamou sua mãe, Maria
P’ra sair: p’ra fazer nada.

Sem saber, as duas damas,
‘Onde exatamente ir
Arrumaram suas camas
E puseram-se a sair

Pensativas, ao partir,
Caminharam p’ra parada
Concluíram que sair
É melhor que fazer nada

Decidiram, por acaso,
A primeira condução
Que passava bem à frente
Lá da Feira do Capão.

Parte II – A feira

Seu José, o motorista,
Dirigia sempre à frente
Viu a Feira em meio à pista
E foi freando, de repente.

Desceu um, desceram dois
E a terceira foi Maria
Joaninha, então, depois,
Resolveu que desceria

Quantas frutas, quantas roupas
E liquidificadores!
Quantos gatos, quantos ratos,
Quanta coisa, meus senhores!

Joaninha abriu a boca
E assim fez também Maria
Por aquela feira louca
Uma ia ‘onde outra ia

Ia o dia, vinha a tarde
E as moças nada compravam
Mas foi um súbito alarde
Que as tirou lá de onde estavam

“Quinhentinhos! Quinhentinhos!”
Se esgüelava um vendedor
“Vendo a preço de banana
O melhor computador”.

Joaninha ficou tonta
Doida, sem acreditar
Segundo sua mãe conta,
Quase forçou-lhe a comprar.

Parte III – A novidade

Com a nova aquisição
Acabou-se esta cilada
De acordar fim-de-semana
E ficar sem fazer nada

Pois, algum tempo depois
Joaninha, aos dezessete,
Adorava aqueles dois:
O pecê e a Internet.

De varar a madrugada,
Trocar noite pelo dia
Nunca ficava cansada
Preocupando, assim, Maria.

“O que vê de interessante
No tal de computador?
Eu, que sou mãe desde sempre,
Nunca tive tanto amor.”

Se pensam que neste ponto
Lhes contei todas as dores
Peço-lhes que tenham calma
E se acalmem, meus senhores!

Parte IV – O amor

A garota viciada
Descobriu um bate-papo
E ficou tão empolgada
“Que barato! Que barato!”

Do agreste da Bahia
Às cidades do Japão
Joaninha falaria
Com José, Paulo e João

Neste mundo, conhecera
O grande amor da sua vida
Se parece brincadeira
Vou contar que houve em seguida

Da mesada que ganhava
Ao dinheiro do busão
Joana nada gastava
Nem sequer comprava pão

Queria juntar dinheiro
Pra uma nova aquisição
Acreditem, meus senhores
Ia conhecer João.

Ela, cá de Santarém
Ele, de Boa Viagem
Ela juntou tanta grana
E deu conta da passagem

Sem saber o que fazer,
A mãe tentou proibir
Mas de nada adiantou
Quis, a todo custo, ir.

Parte V – O susto

Joaninha, no avião,
Quase não acreditava
Ia conhecer João
E, ao seu encontro, voava

E pouco tempo depois
Chegou a hora do pouso
Joaninha arrepiou:
Deu-lhe um súbito nervoso

Esperou cinco minutos
Sem notícias de João
O aeroporto cheio
Lhe causava confusão.

Passados trinta minutos
Começou ela a chorar
E chamou toda a atenção
Das pessoas do lugar.

Uma moça aproximou-se
E perguntou: “Por que chora”?
“Meu amor me buscaria,
mas já se passou a hora”

A moça, tão preocupada
Parecia ter-lhe dó
Sua tez estava amarga
Mais amarga que jiló

Disse ela a Joaninha
“Não chora, pra que chorar?
Estou certa, Joaninha,
De que o seu amor virá!”

Assustada, Joaninha
Disse-lhe: “Sabes quem sou?”
A moça, então, mais doce,
Disse: “Sou eu teu amor”.

Parte VI – Final

Joana franziu a testa
A moça olhou de soslaio
A moça deu um sorriso
Joana teve um desmaio

Ao se despertar, estava,
Numa cama de solteiro
Dona moça, ajoelhada,
Lamentava em desespero

Joana sentiu-se calma
E disse: “Não chores não”
“Mas não sou o que esperavas,
Não terei teu coração!”

Joana calou a boca
Olhou para o céu, calada
Sentia-se meio louca
Mas estava apaixonada

Disse, então, ela à mulher
“Teu nome ainda não sei
Mas serei tua rainha
Sem que precises ser rei”.

“Ãhn?” – Arregalou os olhos
A moçoila, tão bonita,
Olhou para a Joaninha
Disse que chamava Rita.

Beijaram-se co’o fervor
Daquele amor diferente
Joaninha, que estava triste
Se convertera em contente

Pegou ela o telefone
E ligou p’ra Pernambuco
Disse à sua mãe Maria
Que encontrou João Nabuco

A mãe, mesmo entristecida
A perdoou, por um triz
E desejou que, na vida,
A filha fosse feliz.

Joaninha, serelepe,
Começou a trabalhar
Fez quinhentos mil amigos
E fixou-se no lugar.

Uma se chamava Rita
Outra chamava Joaninha
Não precisavam de um rei,
A rainha e a rainha.